Introdução
Cada vez mais precisamos processar grandes volumes de dados, com a tecnologia atual, os métodos e maneiras de lidar com grandes volumes de informações terão de ser aprimorados e/ou substituídos. Esse é o caso de imagens digitais, por exemplo, onde correntemente a quantidade e o tamanho das imagens que precisamos trabalhar é cada vez maior. Além disso, os algoritmos de processamento estão cada vez mais complexos e frequentemente exigem longo tempo de processamento. Um exemplo, é a grande quantidade de dados de imagens de satélites.
O caminho para lidar com a enorme massa de dados de imagens são métodos envolvendo computação de alto desempenho. A computação quântica pode desempenhar um papel crucial futuramente nesse campo, devido às suas propriedades de paralelismo associadas a sobreposição e emaranhamento de estados quânticos.
Neste artigo, discutiremos a seguir sobre alguns dos passos que a computação quântica tem avançado em direção a área de processamento de imagens.
O que é uma imagem?
Uma imagem é a representação de algo, seja um objeto, uma pessoa, um animal, uma planta, etc. Uma única imagem pode conter muita informação que podemos interpretar de forma qualitativa, por exemplo imagens médicas, fotos de corpos celestes e a imagem de um joão-de-barro terminado de construir sua casa com o pôr do sol pairando uma bela paisagem ao redor. As imagens vão além das aplicações práticas com as mais variadas obras de artes que podemos contemplar.
Uma classe de imagens muito importante no nosso dia a dia são as imagens digitais que estão presentes nos nossos televisores, computadores e smartphones. Nesses aparelhos, a menor unidade para representar uma cor é denominada de pixel e a soma de todos eles formam a imagem na tela. Temos imagens que podem ser representadas por apenas duas cores, como por exemplo preto e branco, também temos imagens na escala de cinza e de maneira generalizada as imagens coloridas. Abaixo temos um exemplo de imagem em escala de cinza à esquerda e de imagem colorida à direita.
Na computação, as imagens com apenas duas cores como o preto e o branco, podemos representá-las como sendo o branco representado pelo bit 0 e o preto representado pelo bit 1. Na escala cinza, temos uma variação monocromática que começa no branco e termina no preto, uma das representações para essa escala é utilizando 8 bits, assim a escala varia de 0 a 255 ou 28. Em imagens médicas geralmente 16 bits são utilizados por conta da resolução. No linguajar comum as imagens na escala de cinza são chamadas simplesmente de preto e branco. Já para imagens coloridas o sistema mais usado é o RGB.
O sistema RGB refere-se aos tons de cores vermelho, verde e azul que quando misturados formam diferentes cores. Para o RBG a escala pode ser representada da seguinte forma: 8 bits para o vermelho, 8 bits para o verde e 8 bits para o azul, então 24 bits são necessários. Assim, temos uma escala com 256×256×256 =16777216 cores possíveis.
Representação de imagens em computadores quânticos
Na literatura há várias propostas para representação de imagens quânticas, ou seja, fazer com que imagens clássicas possam ser representadas em computadores quânticos e consequentemente processadas. Apresentaremos a seguir três métodos de representação, que são: FRQI (Flexible Representation for Quantum Images), MCQI (Multi-Channel Representation for Quantum Images) e NEQR (Novel Enhanced Representation for Quantum Images).
FRQI
A representação FRQI é uma representação para imagens em escala de cinza. O estado quântico que representa a imagem é
onde . A informação de cor é codificada em e a informação de posição de cada pixel é codificada em .
A preparação de uma imagem na representação FRQI possui a seguinte complexidade: .
Um exemplo de imagem é
no qual,
MCQI
O MCQI é uma extensão do FRQI para imagens coloridas. Esse modelo pega características do RGB para armazenar as diferentes informações de cores. Neste modelo, o estado quântico que representa a imagem é
onde armazena as informações de cor e é definido como:
onde . Os coeficiente de são ajustados para não transportar nenhuma informação.
A preparação de uma imagem na representação MCQI possui a mesma complexidade da FRQI: .
Um exemplo de imagem é
no qual,
NEQR
Na representação NEQR, a imagem em escala de cinza com pixels é expressa pela seguinte equação:
onde ; e (escala de cinza).
A preparação de uma imagem NEQR possui complexidade para uma imagem com escala de tons de cinza .
A seguir temos um exemplo de imagem , com escala de cinza de 0 a 255:
no qual,
O NEQR pode ser facilmente estendido para imagens coloridas com base no sistema RGB. Nesse caso, com 24 qubits, temos 8 qubits para o vermelho, 8 qubits para o verde e 8 qubits para o azul.
Segurança da informação
Muitas vezes temos imagens de documentos pessoais, que na mão de pessoas mal intencionadas podem ser um risco eminente. Em empresas, organizações governamentais ou não governamentais, por exemplo, pode ter dados de imagens que precisam ser protegidos e apenas pessoas autorizadas podem ter acesso. Há três mecanismos que podem garantir a proteção dos dados nesse caso, a depender da aplicação, que são: a criptografia, a esteganografia e as marcas d’água. As estratégias de proteção de imagens são bem estabelecidas no processamento clássico, no entanto, imagens quânticas podem ser atacadas de diferentes formas. Desse modo, a proteção de imagens quânticas se torna essencial. Além disso, com base nas leis da mecânica quântica o nível de segurança desses mecanismos pode ser elevado, chegando a ser inviolável.
Criptografia quântica
Os protocolos de criptografia visam proteger informações no processo de comunicação, tornando conteúdo ilegível (indecifrável) a terceiros. Por meios chaves criptográficas apenas as pessoas que possuem uma chave de acesso podem acessar a informação protegida. Basicamente há duas classes existentes, que são a criptografia simétrica e assimétrica. Na criptografia simétrica, as mensagens são encriptadas por meio de uma chave privada e a mesma chave é usada para desencriptar a mensagem, um exemplo é o AES advanced encryption standard. Já na criptografia assimétrica, uma chave pública é usada para encriptar a mensagem e uma chave privada é usada para desencriptação, dois exemplos são o RSA e as curvas elípticas.
Existem vários protocolos de criptografia seguros, mas com o algoritmo proposto por Peter Shor em 1994, o futuro advento de computadores quânticos trouxe preocupação para o sistema de Blockchain e para empresas e organizações que utilizam o sistema de criptografia RSA. Com um grande computador quântico, tanto a Blockchain e o RSA podem ser violados com o algoritmo de Shor.
Apesar do impacto do algoritmo de Shor, os protocolos de criptografia quântica podem fornecer uma segurança muito maior em relação aos métodos clássicos atuais. O campo de pesquisa nessa área, floresceu muito nos últimos, inclusive já há chaves quânticas disponíveis comercialmente e a China já conseguiu realizar comunicação quântica segura com satélites.
A criptografia de imagens por métodos simétricos, as vezes por se basear em métodos projetados para dados textuais, são muito complexas devido às características exclusivas de alta taxa de dados, bem como tolerância a erros e perda de correlação entre pixels. Na criptografia quântica de imagem, há propostas na literatura que apresentam maneiras de superar as limitações clássicas em tais aspectos.
Esteganografia quântica
Diferente da criptografia que visa tornar o conteúdo de uma mensagem indecifrável, as técnicas de esteganografia buscam esconder uma mensagem dentro de outra mensagem, de modo que seja imperceptível a presença da mensagem secreta na mensagem que é visível para terceiros. Por exemplo, imagine dois amigos que estejam trabalhando em um projeto secreto e eles não querem chamar a atenção de outras pessoas (colegas de trabalho). Mas eles trabalham em outro projeto em que todos ao redor deles sabem tudo o que ocorre no mesmo, além disso, as informações sobre esse projeto são públicas. Uma tarefa básica desse projeto com dados públicos é a troca de imagens entre os dois amigos. Para trocarem informações sobre o projeto secreto, eles inserem as mensagens secretas nas imagens públicas e compartilham entre si sem que outras pessoas percebam e apenas eles conhecem o método para extrair as informações.
Apesar de ser uma alternativa para comunicação secreta, a esteganografia pode ser usada em conjunto com a criptografia. A mensagem secreta pode ser criptografada e então algum método de esteganografia pode ser aplicado. Isso aumenta muito a segurança no processo de comunicação. Entretanto, existem várias táticas de ataques que podem comprometer a segurança dos protocolos de esteganografia. A fim de trazer novas alternativas de comunicação segura por meio de sistemas quânticos, na última década surgiram propostas de protocolos de esteganografia quântica. Com o futuro advento da internet quântica em conjunto com computadores quânticos poderosos, a esteganografia quântica pode fornecer uma nova forma de comunicação segura. Porém, se esteganografia quântica é superior aos mecanismos clássicos de esteganografia, isso ainda é uma questão em aberto.
Marca d’água quântica
As marcas d’água são similares aos métodos de esteganografia, podendo ser considerada uma extensão. A marca d’água trata-se de um mecanismo utilizado para garantir a autenticidade de documentos (e objetos multimídia) e dificultar sua falsificação, como por exemplo em cédulas de dinheiro e imagens com direitos autorais. Dessa maneira, as informações da marca d’água incorporada podem ser usadas para proteger direitos autorais. No entanto, os esquemas de marca d’água digital possuem limitações referentes a sua robustez perante a ruídos e ataques hackers. Vistas tais limitações, propostas com base na computação quântica surgiram, buscando mecanismos mais robustos, eficientes e seguros.
No futuro, poderemos ter documentos que quando representados em computadores quânticos precisam ter os direitos autorais protegidos e a marca d’água quântica é um mecanismo chave nesse caso. Além disso, podem ser descobertos métodos muitos melhores comparados com suas contrapartes clássicas, permitindo elevada segurança de documentos, como por exemplo, em um processo de assinatura digital.
Transformada quântica de Fourier
Processamento de sinais, processamento de imagens, ressonância magnética nuclear, espectroscopia no infravermelho, criptografia e mecânica quântica são algumas das extensas áreas com aplicações da transformada de Fourier. Um algoritmo importante para essas aplicações no processo de computação é a transformada de Fourier rápida (FFT), que possui complexidade de tempo , onde , que é bem eficiente quando comparada com transformada de Fourier discreta, que possui complexidade . Vale ressaltar que ambas produzem o mesmo resultado quando aplicadas a um vetor arbitrário, só muda o algoritmo.
Na computação quântica, a transformada de Fourier pode ser realizada de forma ainda mais eficiente, com ganho exponencial comparado a FFT. A transformada de Fourier, nesse caso, é denominada transformada quântica de Fourier (QFT) e sua complexidade de tempo é . Apesar do ganho exponencial, realizar a QFT para as aplicações de sua contraparte clássica é uma tarefa não trivial e existem apenas algumas aplicações nesse sentido. Além disso, a convolução, uma importante propriedade da transformada de Fourier, não pode ser realizada por computadores quânticos. Isso representa um desafio enorme para os pesquisadores, pois novos métodos precisam ser desenvolvidos para que possamos lidar com uma quantidade mais ampla de aplicações.
Uma aplicação muito famosa da Transformada de Fourier Quântica (QFT) é o algoritmo de Shor. Na segurança da informação, há diversas propostas, envolvendo a criptografia quântica, esteganografia quântica e a marca d’água quântica. Outros campos como metrologia quântica, inteligência artificial e solução de sistemas lineares a QFT também foi proposta como ingrediente chave. Um outro campo, que está nascendo, com várias propostas na literatura é o processamento de imagens.
A figura abaixo ilustra o processamento de uma imagem no domínio da frequência via FFT. O processamento pode ser realizado por meio de um filtro, por exemplo, que transforma uma imagem colorida em uma imagem na escala de cinza. De modo geral, com a imagem que se deseja processar a FFT é aplicada, em sequência processada, podendo ser por meio uma filtragem, então FFT inversa é aplicada e por fim temos a imagem processada. Devido a propriedade de convolução da transformada de Fourier, em cada etapa a complexidade é a mesma, .
Aprendizado de máquina quântica
A pesquisa sobre transições de fase de sistemas quânticos e criação de novos experimentos quânticos sempre envolve simulação computacional, que por sua vez comumente usam algoritmos de aprendizado de máquina. Mas como sugeriu Feynman, pode ser mais eficiente simular sistemas quânticos usando outro sistema quântico. Essa é uma das questões abordadas por pesquisadores com o emergente campo de pesquisa do aprendizado de máquina quântica ou quantum machine learning.
Métodos híbridos também é uma fonte riquíssima de pesquisa, no qual computadores quânticos e clássicos podem trabalhar cada um em determinadas partes do mesmo problema. As sub-rotinas que são difíceis para um computador clássico, são resolvidas pelo computador quântico de forma terceirizada. Algumas propostas também usam o algoritmo de busca de Grover para melhorar a eficiência das rotinas de treinamento ou avaliação.
O campo de processamento de imagens pode se beneficiar com os algoritmos de aprendizado de máquina quânticos, pois tem aplicações imediatas em problemas de classificação, reconhecimento de padrões (reconhecimento facial, por exemplo) e soluções envolvendo veículos autônomos por imagens de satélites.
Desafios
Conforme discutimos inicialmente, cada vez mais temos uma alta disponibilidade de conjuntos de dados de imagens para processamento, já temos massas de dados imagens que a tecnologia atual não é capaz de processar. A computação quântica pode nos fornecer possibilidades eficientes para lidar com essa questão, entretanto, é uma campo de pesquisa nascente e há uma longo caminho para desenvolvimento de novas técnicas.
Ainda é um desafio representar imagens quânticas com poucas operações. As propostas nesse sentido, tem explorado técnicas de compressão para reduzir o número de portas lógicas, mas com pouco ganho. Basicamente, o problema recai na questão de representar estados quânticos arbitrários, que ainda é um grande gargalo na informação quântica.
Devido a convolução ser impossível na computação quântica, novas maneiras para a aproveitar a eficiência da QFT devem ser desenvolvidas para realizar as mesmas tarefas que computadores clássicos.
Outro fato é que ainda precisamos obter computadores quânticos tolerantes a falhas e com quantidades suficientes de qubits para explorar vantagens computacionais de forma prática.
Hibridizar sensores quânticos com computadores quânticos, pode ser um caminho para termos uma tecnologia de tempo real para obter e analisar imagens de altíssima resolução, beneficiando áreas como biologia, química e física. Além disso, obter dados do mundo microscópico em tempo real com altíssima precisão pode nos levar a fronteiras nunca antes vistas.